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quinta-feira, 29 de março de 2012

Trabalho 2 ano

Pequenos notáveis
Por vezes esquecidos, moedas e selos documentam o modelo de Estado lançado por D. Pedro II
Em dia
Casa-grande abolicionista
Propriedade onde Joaquim Nabuco passou a infância é restaurada
Para fazer renda
Artesanato trazido dos Açores no século XVIII ganhará museu, livro e documentário
Modernismo na floresta
Com casas de arquitetura arrojada, Vila Serra do Navio, no Amapá, é tombada pelo Iphan
Mineiros pré-históricos
Objetos de até 11 mil anos são expostos no recém-criado Museu Arqueológico de Pains
Fé no caixa
A maior estátua católica do mundo será inaugurada este mês no agreste potiguar
Vida após a morte
Cemitérios de São Paulo viram pontos turísticos e são registrados em livro
O caminho dos cafezais
A trajetória da planta do Oriente até o Brasil é marcada por polêmicas e disputas
Café no bolso
As condições de cultivo e a economia fluminense contribuíram para o sucesso da semente
Harmonia interrompida
No século XX, o cultivo do café seguia o ritmo da exploração familiar. O agronegócio acabou com isso
Requentado não, requintado
De jornalistas a reis, todos se reuniam em torno da bebida para se exibir e trocar informações
Fórum - Qual é o legado do café?
Sérgio Besserman Vianna, José Augusto Pádua e Edmar Bacha respondem

Texto Trabalho alunos 3 ano

Sala de Aula
Café no bolso
As condições de cultivo e a economia fluminense contribuíram para o sucesso da semente
Carlos Gabriel Guimarães
17/6/2010
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O cafeeiro pode demorar até seis anos para germinar. Até frutificar, a planta depende muito das condições naturais. Foi no Rio de Janeiro, principalmente nas regiões mais elevadas, que o arbusto encontrou essas características ideais para o cultivo, como solo e clima. Além disso, também havia recursos monetários promissores para sua produção nesse local. Embora não estivesse entre os principais gêneros produzidos na capitania no final do século XVIII e no início do XIX – quando o açúcar estava em destaque –, o café apareceu na pauta da exportação em 1793, com 190 arrobas.No início do século XIX, o cultivo foi expandido para o oeste do Rio de Janeiro, chegando à região do Vale do Paraíba fluminense e paulista, o “oeste velho” paulista. A vinda da Corte para o Rio de Janeiro em 1808 foi um marco nesse incremento da expansão cafeeira. Negociantes de grosso trato, comerciantes-tropeiros e outros grupos sociais, que prestavam serviços à Coroa, receberam sesmarias na região do Vale. Isso aumentou os dois fluxos migratórios para a região: um descendo de Minas Gerais, principalmente da Comarca do Rio das Mortes e do sul de Minas; o outro, subindo a partir do Rio de Janeiro, passando por Raiz da Serra. Negociantes ligados aos comércios das tropas, de cabotagem, negreiro, e alguns com negócios da arrematação de contratos de direitos e tributos régios, como a dízima da alfândega, dízimos e outros, passaram a produzir café em suas terras, juntamente com a produção de açúcar e de outros gêneros ligados ao abastecimento. Tendo em abundância os fatores de produção – terra, mão de obra escrava e capital – e com o crescente mercado externo consumidor, principalmente os Estados Unidos, a produção na região do Vale do Paraíba cresceu. A ponto de o café se tornar o terceiro produto da pauta das exportações brasileiras na década de 1820, com 19,2%, só perdendo para o açúcar, com 27,8%, e para o algodão, com 21%. Mesmo com a turbulência política do Primeiro Reinado (1822-1831) e das Regências (1831-1840), o café passou a ser o principal produto de exportação a partir de 1830. Na segunda metade do século XIX, correspondeu a mais de 60% das exportações.A crescente participação do café na economia e a necessidade da mão de obra escrava para derrubar floresta, plantar as mudas e fazer a colheita dificultaram a implementação da Lei Feijó. Assinada entre o Governo da Regência do Brasil e a Grã- Bretanha em 7 de novembro de 1831, a lei proibia o tráfico negreiro, e no seu artigo 1º declarava: “Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres”. No plano político, os cafeicultores do Vale Médio do Paraíba integraram um dos pilares do Partido Conservador (pós-1840), como afirmou o historiador José Murilo de Carvalho. As fazendas ficaram cada vez mais especializadas. O fazendeiro que diversificava sua produção também com açúcar e gêneros ligados ao abastecimento passou a ser exclusivamente produtor de café. Por isso, necessitava cada vez mais do mercado para suprir a propriedade com mão de obra escrava, alimentos e outros gêneros, embora os escravos pudessem ter roças para sua subsistência.O surgimento da grande fazenda em meados do século XIX – com suas casas grandes e suntuosas, longas extensões de terra e centenas de trabalhadores escravos – significou o auge do poder dos cafeicultores. Mas, no aspecto econômico, representou o endividamento cada vez maior do cafeicultor frente ao comissário local ou comissário na cidade portuária, um intermediário, em geral um comerciante, que adiantava ao fazendeiro recursos em dinheiro ou em mercadorias, como escravos, por exemplo, em troca da safra futura, e deste em relação ao ensacador e ao exportador de café, também localizados na cidade portuária. Por outro lado, a produção cafeeira tinha também uma cadeia de crédito: o cafeicultor podia pagar sua dívida passada, evitar a penhora de seus bens ou postergar o pagamento pelo peso político, ou seja, tendo algum cargo político ou sendo de uma família importante, evitava perder sua terra. Mesmo com o aparecimento dos bancos e das casas bancárias – cuja diferença principal estava na forma de organização da sociedade: os bancos organizados sob a forma de S/As; as casas bancárias, como sociedades comerciais – principalmente após 1850, não houve mudanças significativas no financiamento do café, porque muitos comissários eram acionistas dessas instituições.A expansão da cafeicultura do Vale do Paraíba fluminense e paulista incrementou a atividade comercial exportadora e importadora da cidade do Rio de Janeiro. A criação do Código Comercial – uma legislação mercantil brasileira que substituiu as Ordenações Filipinas, que datam de 1595 –, o fim do tráfico negreiro e a Lei de Terras, em 1850, possibilitaram uma intensa atividade mercantil na cidade. O capital comercial, que antes era direcionado para o comércio de escravos, passou a ser aplicado em bancos, casas bancárias e sociedades comerciais de diversos fins. A Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, criada em 1848, tinha a finalidade de negociar os títulos do governo e incomodava intelectuais conservadores da boa sociedade. O escritor José de Alencar chegou a abordar o tema na crônica “Ao Correr da Pena”, publicada no jornal Correio Mercantil em 1855: “Ide à praça. Vereis que agitação, que atividade espantosa preside as transações mercantis, as operações de crédito, e sobretudo as negociações sobre os fundos das mais diversas empresas. Todo mundo quer ações de companhias. (...) Este espírito de empresa e esta atividade comercial prometem sem dúvida alguma grandes resultados para o país; porém, é necessário que o governo saiba dirigi-lo e aplicá-lo convenientemente; do contrário, em vez de benefícios, teremos de sofrer males incalculáveis”.A expansão cafeeira no Vale do Paraíba, com o uso extensivo do solo e do contingente de mão de obra escrava, chegou ao auge nas décadas de 1850 a 1870. Impulsionada pela crescente demanda externa de café do período, a exportação do produto passou de 51,7% para 56,8%. Isso significou um aumento, em libras, de 55,4 milhões para 116,6 milhões, repercutindo principalmente nos custos da mão de obra. O preço do escravo adulto, que em meados da década de 1850, na cidade do Rio de Janeiro, girava em torno de 500 mil-réis (500$000), na década seguinte chegou a mais de um conto de réis (1:000$000), um aumento de 100%.Nas décadas de 1870 e 1880, o esgotamento do solo e o envelhecimento da mão de obra escrava tornaram visível o declínio da produção cafeeira do Vale do Paraíba. Um sinal dessa situação foi a depreciação das fazendas, como bem destacou o historiador norte-americano Stanley Stein ao analisar a região de Vassouras (RJ). Como exemplo, Stein citou a Fazenda Guaribu, pertencente ao cafeicultor Claudio Gomes Ribeiro de Avelar, o primeiro e único barão de Guaribu. Em 1863, o total dos haveres da fazenda era de mais de 635 contos de réis, sendo que os escravos correspondiam a 69,5%; o cafezal, a 11%; as terras, a 6,5%; e benfeitorias e outros, a 13%. Em 1880, o total de haveres dessa fazenda diminuiu para 442 contos, uma queda de 31%. Em 1887, a fazenda valia 112 contos, uma queda de 84% em relação a 1863.O declínio do café do Vale do Paraíba fluminense e paulista, marcado pela frase “O Brasil é o café e o café é o negro” – dita pelo senador Silveira Martins em 1888, em discurso contra a Abolição –, simbolizou o esgotamento do Império escravista brasileiro. Outras regiões produtoras cresceram em importância, destacando-se o “oeste novo” paulista e a Zona da Mata mineira. Essa nova produção de café, também baseada no uso extensivo da terra e da mão de obra escrava até a assinatura da Lei Áurea, possibilitou o aumento da participação do café nas exportações brasileiras nas décadas de 1880 e 1890. Nessa região, a partir da Abolição, passou-se a utilizar com mais intensidade a força de trabalho do imigrante, muito mais barata que a do escravo, sob a forma de trabalhador livre, conhecida como colonato. Nessas décadas, o café aumentou sua participação nas exportações brasileiras para 62,2% e 64,6%. Mesmo com a crescente participação da borracha, que ultrapassou o açúcar na década de 1890, tornando-se o segundo produto de exportação, o café continuou a ser o símbolo da opulência e da riqueza política e econômica. Não era mais o café do Vale, e sim do oeste novo paulista e do sudeste mineiro. Não era mais a Monarquia, e sim a Primeira República.Carlos Gabriel Guimarães é professor da UFF e autor do livro Finanças e Ingleses no Império Brasileiro (São Paulo: Alameda, 2010).